Romance Forense 2

Romance forense


16/10/10
Romance Forense

Por Afif Simões Neto, juiz de Direito da 2ª Turma Recursal Cível
No antanho bem distante, não havia ainda as capelas mortuárias, hoje tão comuns em qualquer cidadezinha do interior.

As pessoas morriam discretamente, como diria o poeta Apparício Silva Rillo, e eram veladas em casa, com farta distribuição de rosquinhas de cachaça e café no ponto, e um bêbado chato – quando não um time – na volta do corpo, tecendo loas ao finado.

Alguns velórios aconteciam na Câmara de Vereadores, caso a pessoa fosse figura importante.

Outros ex-viventes, na condição nem sempre cômoda de defunto, iam descansar ad eternum a ossamenta entre os círios em pequenos necrotérios conjugados aos hospitais. Eram, no geral, peças de alvenaria pequenas, formato de igrejinha da campanha, com uma mesa de concreto ao centro, e bancos de madeira dos dois lados.

Pois tramitava pelo Foro de São Sepé – o juiz da época era o falecido desembargador Elias Elmyr Manssour – um caso enrolado de homicídio praticado à emboscada, quando o magistrado entendeu por bem de ouvir um negrinho de uns dez anos, de dentadura alvíssima, e que poderia prestar algumas informações de interesse para o deslinde da causa.

Antes de iniciar a inquirição, o juiz advertiu a testemunha, com certa insistência, e olhar de brabo, de que ela teria que falar a verdade - somente a verdade - que não poderia mentir, sob pena de responder a processo e, o que seria pior, acabar passando uns dias na cadeia. Claro que o Dr. Manssour não iria cometer a tropelia de prender o miúdo na chamada “mão grande”, contrariando os mais comezinhos princípios constitucionais.

O que ele queria mesmo era induzir a criança a não esconder o que sabia sobre o fato, até porque a autoria do assassinato permanecia indefinida, e o morto à bala era figura de certo destaque na sociedade local. O denunciado sustentava um álibi que permanecia inteiro diante da prova até então coletada.

O magistrado ficou impressionado com a inocência e vivacidade do negrinho, e, mesmo findo o depoimento, prolongou um pouco a conversa com o menino, pretendendo arrancar-lhe algumas indicações a respeito de sua vida.

- Onde é que tu moras? – perguntou-lhe o juiz.

- Moro pros lados do presídio.

- Tu já trabalhas?

- Engraxo sapatos na Rodoviária, pois o seu Dali Rosa, e um irmão dele, o seu Paulo, são muito meus amigos e me deixam ficar lá.

- E a que horas voltas para casa?

- Quase sempre volto de noite, e tenho que passar pelo necrotério, pois fica no cruzo.

- E não tens medo de passar pelo necrotério, de noite?

- No início até que tinha. Agora perdi o medo. Estou acostumado. Nem dou mais bola!

A conversa durou mais um tempo, até que o negrinho foi liberado e se sentou, para que depusesse a próxima testemunha. Quando o juiz já estava absorvido com a nova oitiva, o negrinho voltou, entrou sem bater na sala das audiências e disse, meio choramingando, que queria falar com o juiz.

- O que é que aconteceu? – perguntou-lhe este -, ao que o negrinho respondeu:

- Doutor, eu voltei pra dizer que estava mentindo pra o senhor: eu fico louco de medo quando passo pelo necrotério!

Fonte: espaçovital.com.br

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